domingo, 23 de novembro de 2014

Um dos maiores perigos para a Democracia

Nos últimos dez dias assistimos, do sofá, a uma estonteante sucessão de crimes praticados por pessoas que deveriam ser as primeiras a cumprir e a fazer cumprir a Lei. Não podemos abordar o assunto com paninhos quentes: as sucessivas violações do segredo e justiça, um crime gravíssimo porque danifica irremediavelemente a imagem dos visados, são praticadas por agentes da Justiça.
 
Primeiro, foram as notícias sobre o então ainda ministro Miguel Macedo. Informações que estão no processo, abrangidas pelo segredo e que muito poucas pessoas podem aceder nesta fase. Mas alguém chibou-se aos jornalistas. Porquê? Para quê?
 
Depois, foi Sócrates. À produção cinematográfica da detenção no aeroporto e da busca à sua casa no sábado passado, juntou-se o jornalismo de pasquim, baseado em mentiras e num longo rol de especulações, insinuações. A própria detenção já levou a que muita gente, juristas incluídos, a questionar a validade e adequação da forma como se realizou. E ao timing.
 
Uma coisa é certa: mais uma vez temos a impunidade a vingar neste tipo de crime. Eis um crime que compensa em pleno. Há muito que critico esta canalhice das fugas de informação. Não me interesse quem seja o prejudicado, o visado, se um político, se um governante, se um desportista, se um banqueiro, se um padeiro ou se um porteiro. É a Justiça que está em causa, a confiança no sistema democrático e no Estado de Direito, o risco de correntes anárquicas e o perigo de a Justiça dar lugar aos antigos pelourinhos e um regresso à Idade Média.
 
Muito já escrevi sobre este assunto e muito haveria a dizer por estes dias. Por isso, faço minhas as palavras de várias pessoas que já abordaram o tema e escreveram o que aqui poderia escrever. Ficam os links, para lerem quando puderem. Recomendo:
 
- "A Justiça a que temos direito", por Clara Ferreira Alves;
 
- "É preciso saber a verdade", por Domingos de Andrade;
 
- "A detenção de Sócrates vista do sofá", por Estrela Serrano;
 
- "Palos e Sócrates", por Magalhães e Silva; e
 
- "Processo público", por Maria Fernanda Palma.

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Direito à mentira

Esta notícia não é, infelizmente, novidade nenhuma. Sobretudo para as mulheres e para os advogados que exercem Direito do Trabalho. Quase todas as empresas que empregam novos trabalhadores fazem, nas entrevistas para emprego, perguntas sobre a gravidez, a intenção de casar, o acompanhamento dos filhos (se precisam de mais ou menos tempo), o número de filhos (quantos mais filhos, maior é a probabilidade de faltarem). E não é só às mulheres.
Por isso é pacífico, quer na Doutrina quer essencialmente na Jurisprudência, que os candidatos a um emprego têm o chamado "direito à mentira". Neste exemplo, se for perguntado se pretendem engravidar, as mulheres têm o direito a mentir. Podem, por exemplo, responder que não", que estão bem solteiras, ou casadas mas não querendo filhos. Isto porque quem está mal, quem está a violar a lei é o empregador, quem conduz a entrevista. Estes assuntos são do foro privado, integram a matéria da "reserva da vida privada" e, como tal, estão protegidos, quer pela Constituição quer pelo próprio Código do Trabalho. Ninguém tem o direito de lhes colocar este tipo de perguntas. Assim, quem vir o seu direito à reserva da vida privada violado, pode ou recusar-se a responder, alegando precisamente a privacidade (correndo o enorme risco de ficar logo afastado do lugar) ou, em alternativa, para não ficar duplamente prejudicado, mentir.
Por isso, caras amigas e caros amigos, fiquem sabendo que, por vezes, a mentira é mesmo a única solução.
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Adenda: entretanto descobri que já ontem, na Visão, a Prof. Maria do Rosário Ramalho já tinha abordado o direito à mentira. A ler.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Dinheiro, há. Mas para quem não precisa.

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Para pensões baixas e salários baixos já não há dinheiro.
Para uma educação com condições dignas já não há dinheiro.
Para medicamentos e uma saúde decente já não há dinheiro e já há gente a morrer por falta de cuidados.
Para uma justiça célere e próxima do cidadão já não há dinheiro e há gente que desiste de defender os seu direitos em Tribunal.
Esta gente está a pedir o quê?

1914

Esta notícia é deste ano, 2014, e não de 1914. Mas a história que conta é bem antiga, mais digna aliás de um país e de uma mentalidade de 1914.