quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Greve à greve

Ideologicamente, não tenho inclinação para apoiar mais os trabalhadores ou os patrões. Entendo que uns sem os outros não são nada. E por isso, tenho uma posição muito pouco "ortodoxa" em relação à figura da greve. Considero que deve ser um direito dos trabalhadores e deve estar bem delineado na legislação. É assim que acontece em Portugal, mas não em alguns países. E não deixa de ser curioso, até, que quase todos os países que não admitem a greve tenham regimes idoletrados pelos principais defensores da greve em Portugal. Falo, obviamente, dos comunistas.
Admito, todavia, excepções: forças de segurança e forças armadas. E considero que em determinados sectores, por serem essenciais e fundamentais, a greve deve ser limitada aos serviços "não essenciais" e não urgentes. É o caso da Justiça. E, depois, temos dois sectores que tenho enormes dúvidas se deveriam ser impedidos de fazer greve: a Saúde e os transportes. É que a greve enquanto direito legalmente atribuído, deve ser proporcional aos direitos que são "afastados" pelo seu exercício. Por exemplo, o motorista do autocarro ou do metro tem o direito a fazer greve (não trabalhar) e os utentes têm direito a deslocarem-se, nomeadamente para o seu emprego (e que até já pagaram esse serviço, no caso dos passes). Ora, o exercício do primeiro direito impede o exercício do segundo. E, como tal, deve ser proporcional. Daí os serviços mínimos ou as requisições civis...

Porém, a greve deixou de ser praticada pelos fundamentos com que foi criada. A sua ideologia - e, principalmente, o seu fim - foi subvertida pelos sindicatos que deixaram de ser defensores dos trabalhadores para serem meros veículos de propaganda de partidos e meio de oposição aos governos, à custa, claro, dos que supostamente representam. A greve passou a ser um meio de chantagem, em que as vítimas são terceiros, inocentes. Como não conseguem prejudicar o Estado, prejudicam os cidadãos. É como o raptor, que exige dinheiro senão mata o refém, que é inocente e nada tem a ver com aquilo. E temos ainda o terrorismo sindical, como aqui bem vincado. Uma coisa é exercer um direito, outra, bem diferente, é impedir que outros exerçam os seus. É engraçado que quem faça greve, invocando os seus direitos, acabe por oprimir... os direitos dos outros.
Por fim, temos a questão da legitimidade da greve. Como já aqui escrevi, por diversas vezes, todos somos culpados pelo estado do país. Somos egoístas, só pensamos em nós e não queremos saber dos outros para nada e fazemos aquilo que criticamos nos outros, sobretudo nos governantes e nos políticos. Criticamos e ficamos indignados por meterem cunhas para a família, pelos "tachos" com salários chorudos, mas pedimos ao nosso amigo ou ao nosso vizinho que trabalha no serviço, para sermos atendidos de imediato (passando à frente de dezenas de pessoas). Muitos do que hoje fazem greve, são os que "sacam" músicas e filmes nas horas de trabalho, para depois trabalharem ao final do dia, cobrando horas extraordinárias. As verdadeiras vítimas da crise não têm voz nem possibilidade de fazerem greve. Em Queluz, por exemplo, cada vez se vê mais pessoas a procurarem por comida e roupas nos contentores do lixo, ou ajuda junto das instituições de apoio social. Estes, sim, são os verdadeiros prejudicados pela ganância dos Bancos e dos grandes grupos económicos (que continuam a lucrar milhões e ainda tentam fugir aos impostos, antecipando, por exemplo, o pagamento de dividendos), mas não têm direito a fazerem greve, pois nem sequer têm emprego. Estes é que têm razão de protesto e não aqueles que terão de vender o BMW e contentar-se com um Opel ou um Fiat ou outra marca qualquer de veículos mais económicos. Ou que terão de largar o ginásio ou o colégio privado dos filhos.

Hoje fiquei em casa a trabalhar. Estou a fazer greve à greve. E fiquei em casa, pois não há transportes e não estive para pegar no automóvel para ir trabalhar. Aproveitei, logo de manhazinha, a tratar de uma compra urgente e deparei-me com enchentes nos estabelecimentos comerciais. É mais uma coisa engraçada, as pessoas fazerem greve por receberem menos dinheiro e... vão gastar dinheiro para as compras. Irónico? Ora essa! Estamos em Portugal!...

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