segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Sem rodeios

De início fiquei um pouco espantado, mas, volvidos três dias, chego à conclusão que seria inevitável. A blogosfera (pelo menos a que acompanho) tem estado praticamente "calada" em relação ao processo Casa Pia. Inevitável, pois ainda ninguém teve a coragem de escrever, sem rodeios, o que pensa sobre isto. Este processo mexeu, por várias razões (tipo de crimes em causa, pessoas envolvidas, etc), com toda a gente e deixou muitos com dúvidas sobre o desfecho e a culpabilidade dos arguidos. Mas existem algumas questões que não poderei deixar de anotar e colocar:

1. Como é possível as principais (alegadas) vítimas serem entrevistadas primeiro pelos jornalistas e, só depois, pela polícia?

2. Como é que, apesar de terem sido veiculados por um órgão de comunicação social francês, os nomes de dois ministros então em funções não foram investigados nem estão referidos no processo?

3. Como é que os jornalistas são capazes de escrever notícias e cabeçalhos com informação assumidamente (mais tarde pelos próprios) falsa, baseada em "fontes" e com apenas parte da informação constante dos autos (a parte que interessa à Acusação)?

4. Como é que, na altura em que "rebentou" o escândalo, os jornalistas apenas publicaram nomes ligados a um certo partido, quando toda a gente falava "à boca cheia" de muitos nomes, de todos os quadrantes políticos e sociais, nomeadamente dos dois governantes referidos no tal órgão de comunicação social francês?

5. Como é que os investigadores realizaram as diligências (interrogatórios, perícias, reconhecimentos, etc) se, mais tarde, assumiram que aquelas não foram realizadas de acordo com os "manuais" existentes?

6. Como é que os investigadores e o próprio Ministério Público não incluem meios de prova no processo, considerando-os que, por não provarem a culpabilidade dos arguidos, são "não-prova" (um documento ou uma testemunha que negarem a Acusação são um meio de prova)?

7. Como é que a Acusação altera, dezenas de vezes, a Acusação (por exemplo datas) ao longo do julgamento sem perder a credibilidade?

8. Como é que o Ministério Público, no julgamento, recusa que as vítimas sejam confrontadas com as suas contradições, algumas delas evidentes, nomeadamente com declarações suas anteriores?

9. Como é que os arguidos são confrontados com alterações aos elementos de Acusação (datas, locais, etc) sem lhes ser dada oportunidade de se defender, como a Lei estipula?

10. Como é que determinadas pessoas têm a coragem de falar para as televisões, mostrando contentamento com o desfecho, quando nada fizeram durante anos e anos para que os culpados fossem levados à Justiça?

11. Como é que o Tribunal não leu, por iniciativa própria, a fundamentação da sentença na íntegra (mesmo que levasse dois ou três dias), quando o bom senso assim o aconselhava, atendendo à carga mediática e social deste processo e às consequências, na opinião pública, da decisão tomada?

Estas são algumas questões que me levam a desconfiar do desfecho deste processo. Fiquei, ainda, com muitas dúvidas sobre questões concretas do processo, nomeadamente quanto à credibilidade das testemunhas (principal elemento de prova a favor da Acusação), mas não irei enveredar por esse caminho, pois, para além de não gostar de comentar casos concretos, apenas conheço do processo o que foi transmitido pelos media ou se encontra disponível na internet (incluindo o site de Carlos Cruz, criado para este efeito).
Coloco estas questões, pois entendo fazê-lo para bem da Justiça. Não se prendem propriamente com o aspecto material do processo (se os arguidos são culpados ou não, se há provas ou não, etc) mas antes com aspectos formais, alguns comuns a todos os processos criminais e a todas as investigações. Algumas coisas que se passaram neste processo passam-se em todos os processos (e que as pessoas desconhecem, salvo se foram a Tribunal por alguma razão) e colocam em causa a credibilidade da Justiça e da investigação em Portugal.

Acredito profundamente que parte dos arguidos são mesmo culpados, não porque conheça o processo, mas porque foram cometidos, ao longo de décadas, crimes de abuso sexual de crianças, quer na Casa Pia quer noutros locais. Acredito, também, que grande parte dos criminosos não estão no processo e, por sorte ou com a ajuda de amigos nos lugares certos e com o poder que possuem, se safaram. Acredito que a dimensão deste processo será, pelo menos, igual à do famoso caso "Ballet Rose", que abalou a sociedade portuguesa em 1967, mas que, por causa do poder de alguns dos envolvidos, o actual processo foi, em boa parte, abafado. Por fim, acredito que os tribunais superiores irão alterar a decisão em relação a alguns dos arguidos, pois, pelo que ouvi e li, terão sido cometidos erros jurídicos (má avaliação dos elementos de prova, recusa do direito de defesa, etc), tendo sido o maior deles o aproveitamento político-partidário que se tentou fazer deste processo, logo que ele "rebentou".

Não sei quando é que este processo irá estar definitivamente resolvido, mas acredito que, nos próximos tempos, iremos ter novidades, pois os nomes (arguidos) atirados aos lobos (populaça, o Zé Povo que acredita automaticamente na culpabilidade) que querem queimar alguém, mesmo que sejam inocentes, não irão permanecer calados e arcar sozinhos com as culpas.

2 comentários:

Helder Robalo disse...

Caro Ricardo,

Sobre o tema aconselho-lhe esta leitura: http://missdezembro.blogspot.com/2010/09/bois-pelos-nomes-nomes-aos-bois.html

Vale, bem, a pena.

Um abraço meu caro.

Ricardo Sardo disse...

Já li Hélder, obrigado pelo link. Concordo com o que lá está escrito, é preciso chamar os bois pelos nomes. Mas reafirmo o que aqui escrevi, o que não contradiz o que é escrito pela Dora. Já vi culpados serem absolvidos e inocentes serem condenados. Acontece no Mundo inteiro e aqui também. E acresce de conhecer um caso, bem próximo, que se traduziu numa total injustiça. Por isso, admito sempre que os arguidos - de todos os processos - possam ser mesmo inocentes, apesar de serem condenados e existirem claros indícios da sua culpabilidade...
Abraço.