sexta-feira, 23 de abril de 2010

Comissões de Inquérito e Tribunais

As Comissões Parlamentares de Inquérito funcionam em moldes próprios, mas gozam de um estatuto semelhante aos Tribunais, conforme estatui o art.º 13º do Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares. Ou seja, tem praticamente todos os poderes dos Tribunais. E, relativamente aos depoimentos de pessoas, remete para a lei processual penal para efeitos de recusa de depoimento.
Parece que Rui Pedro Soares, que está na berlinda por causa do negócio-que-não-foi-negócio entre PT e Prisa, invocou o direito ao silêncio para não responder às perguntas dos deputados da Comissão de Inquérito. Os deputados, insatisfeitos, decidiram remeter o assunto para a PGR por eventual prática de um crime de desobediência. Mas terá o administrador da PT desobedecido?

Em primeiro lugar, um inquérito parlamentar assemelha-se a um julgamento criminal. Daí o Regime Jurídico remeter para o Código de Processo Penal diversas questões quanto ao seu funcionamento, nomeadamente em matéria de depoimentos (conforme artº 17º, nºs 1 e 4 do Regime Jurídico).
Em segundo, assemelhando-se um inquérito a um julgamento criminal, deve entender-se que se aplicam aquele as mesmas regras processuais, bem como certos direitos.
Em terceiro lugar, Rui Pedro Soares é arguido no processo judicial que deu origem a este Inquérito Parlamentar, pelo que não faz sentido ter o direito ao silêncio no processo judicial e não o ter no Inquérito.
Por último, existindo dúvidas sobre se os deputados (ou pelo menos, parte deles) da Comissão de Inquérito têm o papel de juízes ou de acusadores, penso que será legítimo que quem preste depoimento tenha, no Inquérito, os mesmos direitos que tem no processo judicial, pois incorreria o risco de, estando obrigado a falar na Comissão, dizer algo que poderia ser aproveitado no processo judicial, o que constituiria uma fraude à lei e uma forma de contornar os direitos constitucional e legalmente previstos em relação aos arguidos.

Um último apontamento sobre o papel dos deputados nos inquéritos parlamentares: vemos em muitos dos inquéritos - como neste - a assumirem o papel de advogados, seja de acusação seja de defesa, deixando uma dúvida no ar: quem, num inquérito parlamentar, assume o papel de juíz, justo, isento e imparcial?

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