segunda-feira, 1 de março de 2010

Leituras de fim-de-semana

Duas leituras deste fim-de-semana merecem destaque. A primeira, de Fernanda Palma no Correio da Manhã de Sábado, sobre publicação de escutas de processos judiciais e providências cautelares. A segunda, do Bastonário da OA no Jornal de Notícias de Domingo, também sobre publicação de escutas e meios de prova. A ler.

1. "Pode um jornal publicar escutas de um processo em segredo de justiça ou desobedecer à providência cautelar decretada por um tribunal? Haverá justificação conferida pela liberdade de imprensa e pelo interesse público, porque as escutas revelariam uma conspiração para dominar a comunicação social? (...)
A justificação teria cabimento se a escuta revelasse que se iria praticar um crime ou que fora praticado um crime ao qual a justiça fechou os olhos. Mas se um processo corre nos tribunais, sem sinais de corrupção ou inépcia dos magistrados, a publicação não parece o meio necessário e adequado de realizar o interesse público.
A liberdade de imprensa não impõe que, tendo sido decretado o segredo de justiça pelo interesse da investigação, os dados do processo sejam expostos em público. A liberdade de imprensa é essencial em democracia, mas não é um valor cego, absoluto e incomensurável. Tem de ser conciliada com outros valores.
A violação das normas e das decisões tomadas pelos tribunais é algo que os próprios tribunais – e só eles – devem julgar. Ao fazê-lo, não podem recear intervir contra a corrente ou contra quaisquer grupos de pressão. Se assim suceder, estará em risco a separação de poderes e o Estado de Direito Democrático."

2. "A força do estado de direito democrático está na adesão da sociedade aos seus princípios e valores fundamentais, que são a dignidade humana, a liberdade, o pluralismo e o primado do direito. Quando uma parte da sociedade não respeita esses princípios e actua em desconformidade com eles, então são os próprios alicerces do estado que são postos em causa. (...)
A forma é inimiga jurada do arbítrio e qualquer cedência nessa matéria será um passo em direcção à arbitrariedade.
Por isso, no dia em que se aceitar como lícito que jornalistas possam disfarçar-se de sujeitos processuais para retirar dos processos judiciais transcrições de escutas telefónicas para as publicar nos seus órgãos de informação, então é de temer que no futuro se ordenem escutas para serem divulgadas em órgãos de comunicação social.
Igualmente, no dia em que se aceitar que escutas telefónicas feitas em processo penal (e aí consideradas irrelevantes) possam ser aproveitadas para a luta política, então não demorará muito a haver escutas telefónicas para fins políticos.
No limite, poder-se-ia dizer que no momento em que se aceitar que um terrorista possa ser torturado para revelar onde colocou a bomba é certo que daí para a frente muitas outras pessoas - terroristas ou não - irão ser torturadas para revelarem o que não sabem.
Quando não se olha a meios para atingir certos fins, por muito lícitos e relevantes que eles sejam, então entra-se no domínio do fundamentalismo. Na história da humanidade, alguns das piores atrocidades foram feitas em nome dos fins mais altruístas e, pior do que isso, muitas vezes foram levadas a cabo por pessoas imbuídas da maior generosidade.
O estado de direito é assim. Imperfeito e frágil. Ou o respeitamos sempre, apesar das suas imperfeições e fragilidades ou acabamos por torna-lo ainda mais imperfeito e frágil."

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