quarta-feira, 31 de março de 2010

Entrevista a Ricardo Costa

Depois de ouvir a entrevista na íntegra, fico convencido dos argumentos jurídicos utilizados pela Liga e fico, ainda mais, com dúvidas sobre as razões da FPF...


Criminalização do "bullying"

Fala-se, agora, na criação do crime de bullying, por proposta da Procuradoria-Geral da República e com a concordância da Ministra da Educação. Mas o problema vai além dos actos em si, abrangendo a relação pais-filhos.
Há dias conversava com uma amiga, que é educadora de infância. Contou-me um incidente com uma criança de apenas 4 anos, em que esta reagiu mal a uma brincadeira (com todas as crianças) e deu uma bofetada à minha amiga. Chocada e surpreendida com a reacção da criança, teve de abandonar a sala. A responsável pelo centro educativo decidiu chamar os pais, para conversarem sobre o sucedido. O pai, confrontado com o comportamento do filho, reagiu com um sorriso e um comentário do género "que giro, sai ao pai"...
Já toda a gente percebeu que a principal razão dos problemas disciplinares das crianças (alunos) deve-se aos pais e à educação e formação que (não) dão aos filhos. O exemplo deve partir de cima, as regras e valores devem ser incutidos por quem é responsável - os pais. E os pais falham, cada vez mais, nesta matéria. Seja por desleixo, seja por desinteresse, seja por falta de tempo, a verdade é que não educam como devem os filhos, nem impõem limites nem regras.
Como já aqui escrevi, tenho dúvidas sobre a forma de responsabilizar os pais pelos actos dos filhos, mas a verdade é que, de uma forma ou de outra, terão de assumir pelo menos parte da responsabilidade.

terça-feira, 30 de março de 2010

Violência contra professores é crime público?

Na semana passada, a FENPROF propôs que a violência contra professores fosse considerada crime público, não necessitando, portanto, de queixa para que se instaure processo-crime. O deputado socialista Ricardo Rodrigues garantiu, porém, que já é crime público.
Ora, acontece que a violência contra professores é, de facto, crime público. A ofensa à integridade física simples (art.º 143º do Código Penal) necessita de queixa, mas a ofensa à integridade física qualificada (art.º 145º) já não. E o nº 2 deste artigo remete, para efeitos de qualificação do crime, para o nº 2 do art.º 132º (homicídio qualificado), que estabelece as situações em que existe "especial censurabilidade ou perversidade do agente". Entre elas, as previstas na alínea l): "o agente praticar o facto contra (...) funcionário público, (...) docente, examinador ou membro da comunidade escolar (...)"
Ou seja, existe qualificação do crime quando a vítima seja professor, seja o crime de ofensa à integridade física, seja homicídio.

Mas podemos, todavia, estar perante outros tipos de cime, usualmente considerados como "violência". Se for um crime de ameaça (art.º 153º), é necessário haver queixa para ser aberto processo-crime, apesar de a pena ser mais grave por ser contra professor (art.º 155º, nº 1 c)). Mas se for um crime de coacção sobre professor (art.º 154.º), já não. Pode acontecer, ainda, um caso de sequestro (art.º 158º), não necessitando a vítima de apresentar queixa para que seja aberto inquérito.

Concluindo, exceptuando um caso de ameaça (provavelmente mais comum do que possamos pensar), a violência contra professores constitui crime público, não sendo necessário existir queixa por parte deste para que o Ministério Público instaure processo-crime.


(cliquar na imagem para ampliar)

segunda-feira, 29 de março de 2010

CMVM

É obrigação, entre outras, das sociedades anónimas desportivas comunicar à CMVM todos os eventos relacionados com as sociedades, nomeadamente contas e ofertas públicas. No site da Comissão podemos encontrar este tipo de informação relativamente ao Benfica, ao Porto, ao Sporting (basta ir, no lado direito da página principal do site, a "nome da entidade", escrever o nome do clube e cliquar em "pesquisar"), mas quanto ao Braga... nada. Porque será? Será que o Braga está em situação de incumprimento legal? Será que a CMVM anda a dormir? Porque será? É que, quanto ao Benfica, todos sabemos que a CMVM está farta de punir o clube encarnado com coimas por incumprimento das obrigações legais, por isso torna-se obrigatório a Comissão explicar porque tem dois tratamentos distintos em relação a duas sociedades comerciais...

domingo, 28 de março de 2010

Suspeições

Quando casos destes são conhecidos, é natural que a sociedade duvide das intituições, nomeadamente das razões por detrás das decisões. E quando isto acontece, é o próprio estado de direito e a democracia que ficam em cheque.

sábado, 27 de março de 2010

À atenção do Ministério Público

Artigo 297.º (Código Penal)
Instigação pública a um crime

1 — Quem, em reunião pública, através de meio de comunicação social, por divulgação de escrito ou outro meio de reprodução técnica, provocar ou incitar à prática de um crime determinado é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.
2 — É correspondentemente aplicável o disposto no n.º 2 do artigo 295.º.

Artigo 305.º
Ameaça com prática de crime

Quem, mediante ameaça com a prática de crime, ou fazendo crer simuladamente que um crime vai ser cometido, causar alarme ou inquietação entre a população é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.


quinta-feira, 25 de março de 2010

Quando se mistura o Direito com a clubite...

Não comentei a decisão da Comissão Disciplinar da Liga de Clubes - que suspendeu os jogadores portistas Hulk e Sapunaru por quatro e seis meses, respectivamente - nem vou comentar o Acórdão do Conselho de Justiça da Federação Portuguesa de Futebol, que anulou a decisão de primeira instância, considerando que os assistentes de recinto desportivo (stewards) não são intervenientes de jogo, colocando-os ao nível do público. Não comento porque tenho dúvidas sobre as interpretações dadas a esta figura jurídica (criada aquando do Euro 2004), quer como intervenientes do jogo (pela Liga), que como público (pela Federação). Estou inclinado para a posição da Comissão Disciplinar da Liga, mas não considero líquido que possam ser considerados intervenientes do jogo no sentido atribuído pelo regulamento disciplinar da Liga.

Gostaria que a Liga recorresse para o Tribunal Administrativo (parece que está a ponderar recorrer), para que esta matéria fosse analisada e decidida por juízes independentes e isentos. Pois o que temos visto nas instâncias desportivas deixa muita dúvidas sobre a isenção, imparcialidade e seriedade dos juízes, quer na Liga quer na Federação (sobretudo aqui, como se viu no caso dos incidentes em Alcochete, no derby de júniores).
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Adenda: parece que o Conselho de Justiça da FPF analisou a legislação de outros campeonatos. Então, certamente que analisou a pena aplicada a Cantona quando este, em 1995, agrediu a pontapé um adepto, tendo sido suspenso por 4 meses (o Manchester também o suspendeu internamente). Ora, se o Conselho de Justiça considerou, "à falta de melhor", um steward como um adepto, agrava-se a dúvida na posição assumida no Acórdão.

terça-feira, 23 de março de 2010

Das duas uma

Ou a GNR investiu sobre os adeptos do Porto sem razão para tal - o que é crime (abuso de poder e ofensa à integridade física) - ou investiu em resposta a crimes praticados pelos adeptos e, como tal, deveria tê-los detido em vez de darem uso às cacetetes - o que também é crime (denegação de justiça).
As imagens mostram o comportamento bárbaro da claque Super Dragões, reinicidentes nesta matéria (como, aliás, todas as claques de futebol). Há muitos anos que estas cenas se repetem, mas as autoridades policiais insistem em investir sobre os adeptos em vez de deter os responsáveis e levá-los a Tribunal. E a resposta das autoridades mostrou-se, há muito, inconsequente. O problema continua e os incidentes repetem-se. Terão, desta forma, de mudar de atitude e de estratégia. E estou certo de que se começarem a ir a Tribunal e a serem condenados (começando a pagar multas e a cumprir pena de prisão), aprenderão. Não todos, mas a maioria pode perceber, de vez, que este comportamento violento e quase terrorista (ontem investiram, sem qualquer provocação, sobre famílias e crianças) não pode ser admitido, de forma alguma.

sábado, 20 de março de 2010

Boas magistraturas

Na Quinta-feira foi conhecido o relatório do Conselho Superior da Magistratura, que dá conta das notas atribuídas aos Juízes, não tendo havido nenhuma de "medíocre" e oito de "suficiente" em 2009. Ao contrário de Pedro Marques Lopes, considero que temos, de facto, uma magistratura judicial boa. Obviamente, todos cometem erros, tal como todos os humanos. Alguns até erram mais do que deveriam. Mas esses erros podem não ser suficientes para merecerem uma nota negativa. Claro que há muito a corrigir, muitos aspectos a ser revistos e alguns comportamentos a evitar. Poderia dar vários exemplos, mas deixo aqui apenas um...

Ao longo da minha vida profissional, cruzei-me várias vezes com um magistrado, em mais do que uma área do Direito. Sempre teve uma postura correcta e é considerado por colegas e por juristas (eu incluído) como um brilhante jurista. E é, de facto, um "carola". Entende as matérias, compreende facilmente o âmbito das questões e sabe restringir-se ao essencial, ao contrário da maioria que se perde em pormenores sem qualquer relevância. Mas tem um problema. Se qualquer pessoa cria, em determinada fase, uma convicção, este magistrado fica um pouco limitado pela convicção que ele próprio cria desde cedo. Isto é, se, em determinada altura, fica inclinado em relação a uma das posições, mesmo que a outra parte apresente argumentos válidos, estes já não são atendidos e considerados como os primeiros...
Claro que é um problema um Juíz não conseguir ser imparcial até ao momento de decidir, após a produção de toda a prova. Mas não há ninguém no Mundo que o consiga ser. É a natureza da pessoa. A solução é, pois, evitar criar uma convicção demasiado cedo e tentar, ao máximo, manter a distância para os argumentos e para os fundamentos de cada posição. Mas garanto que não é nada fácil. Nada mesmo.

Outra questão que, penso, reforça esta avaliação da magistratura é a formação. Há algum tempo atrás, discutia com o Valupi (após este meu texto) a questão dos novos juízes estarem (ou não) melhor preparados que os mais experientes. Ao contrário do que parece pensar a maioria das pessoas, considero que as novas gerações encontram-se melhor preparadas para exercer a magistratura. Não no sentido da preparação técnica, pois os magistrados com mais anos de carreira sabem tão bem ou melhor das questões, mas na vertente social e humana. Isto é, a Sociedade evoluíu e as novas gerações saiem do CEJ com uma outra mentalidade, mais adequada à realidade actual e com outra sensibilidade para as questões. Naturalmente que, daqui a uns anos, estes magistrados deverão passar ao grupo dos "desfasados da realidade", com as futuras gerações a trazerem, para os Tribunais, uma outra mentalidade... E há ainda uma questão bastante relevante: as novas gerações de magistrados olham para a Justiça como um bem ao serviço do Povo e da Sociedade e não ao contrário, como alguns magistrados, nestas andanças há muito tempo, que ainda pensam que devem ser as pessoas a servi-los (felizmente que são cada vez menos).

Por último, recordo que que só entram na magistratura os melhores, pois a entrada para o CEJ é extremamente exigente - e assim deve continuar a ser. E a formação lá dada tem melhorada consideravelmente, pelo que não estranho, um pouco que seja, estas notas.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Os brilhantes juristas do PSD

Duas linhas bastam para comentar a chamada "lei da rolha", aprovada ontem no Congresso do PSD. Viola, de forma clara e grosseira, o princípio constitucional da liberdade de expressão.

sexta-feira, 12 de março de 2010

"Contaminação política" (2)

"Nos últimos dias vieram a público mais dois testemunhos demonstrativos da agenda que anima as estruturas sindicais dos juízes e dos magistrados do Ministério Público, parecendo querer dar razão às análises de personalidades como Marinho Pinto.
No primeiro caso, o desembargador António Martins, presidente da Associação Sindical dos Juízes, não tem dúvidas em puxar dos seus galões na área da medicina e afirma que o problema de saúde que atingiu um dos directores-adjuntos do Centro de Estudos Judiciários se ficou a dever ao facto do Governo se ter atrasado a completar a equipa directiva do CEJ. Ai os governantes, esses bandidos!
No segundo episódio, o jornal "i" dá conta do papel activo tido pelo actual e pelo anterior presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, João Palma e António Cluny, no "processo Lopes da Mota". Sem o seu interesse e a sua intervenção teria havido mais do que uma banal conversa entre amigos e colegas? Repare-se que é o próprio instrutor a admitir ter existido "alguma estratégia sindical" na denúncia pública dos contactos efectuados. E percebe-se que a preocupação dos magistrados sindicalistas não foi propriamente com os procuradores indefesos...
Podemos estar descansados com os nossos agentes da justiça?"

(José Carlos Pereira, no Incursões)

quarta-feira, 10 de março de 2010

A fase de Instrução

Ouvida na Comissão Parlamentar Eventual de Acompanhamento do Fenómeno da Corrupção, Maria José Morgado avançou com duas ideias: 1) a criação de um tribunal central para julgar a criminalidade altamente organizada; e 2) eliminar a fase de Instrução nos processos.
Quanto à primeira, não vejo o benefício da criação deste tipo de tribunal. Relativamente à segunda ideia, não compreendo como é que uma magistrada possa defender o fim da Instrução, como aliás bem explica Isabel Moreira. Quer dizer, até compreendo, pois o Ministério Público pretende sempre simplificar o seu trabalho e isentá-lo de controlo externo, mas não me parece sensato e útil tal medida.

segunda-feira, 8 de março de 2010

O direito dos advogados à parentalidade

O Diário de Notícias traz hoje, no Dia Internacional da Mulher, uma peça sobre o problema das advogadas que são mães. Como o DN refere e bem, existem 14 mil advogadas que não podem gozar licença de maternidade, pois, para o fazerem como as trabalhadoras por conta de outrem, terão de prescindir do trabalho e não trabalhando não recebem (isto excluindo, eventualmente, as que integram sociedades de advogados que possam conceder nesta matéria).
Ora esta matéria traz, inevitavelmente, à colação a petição que lancei o ano passado (e que pretendo entregar na AR e ao Governo, logo que o número de assinaturas atingir uma fasquia que tenha peso junto dos políticos) para que o regime do DL 131/2009, de 1 de Junho seja alargado também aos prazos, pois este diploma prevê apenas o adiamento das diligências, quando a maior parte do trabalho dos advogados não é diligências mas trabalho escrito, a elaboração de peças processuais.

aqui expliquei a minha posição nesta matéria, mas quero acrescentar um ponto: ao falarmos em parentalidade e "licenças" de maternidade/paternidade não estamos apenas a falar de direitos dos pais, mas, sobretudo, dos direitos das crianças, que necessitam da presença dos pais, o que lhes é impedido por uma legislação injusta e desproporcional.

ASAE inconstitucional? (4)

Afinal, a ASAE não padece de inconstitucionalidade, segundo declarou o Tribunal Constitucional. Ao contrário da minha opinião (aqui, aqui e aqui expressa), o TC entende que a ASAE não é uma força policial.

(Ler Acórdão nº 84/2010)

segunda-feira, 1 de março de 2010

Leituras de fim-de-semana

Duas leituras deste fim-de-semana merecem destaque. A primeira, de Fernanda Palma no Correio da Manhã de Sábado, sobre publicação de escutas de processos judiciais e providências cautelares. A segunda, do Bastonário da OA no Jornal de Notícias de Domingo, também sobre publicação de escutas e meios de prova. A ler.

1. "Pode um jornal publicar escutas de um processo em segredo de justiça ou desobedecer à providência cautelar decretada por um tribunal? Haverá justificação conferida pela liberdade de imprensa e pelo interesse público, porque as escutas revelariam uma conspiração para dominar a comunicação social? (...)
A justificação teria cabimento se a escuta revelasse que se iria praticar um crime ou que fora praticado um crime ao qual a justiça fechou os olhos. Mas se um processo corre nos tribunais, sem sinais de corrupção ou inépcia dos magistrados, a publicação não parece o meio necessário e adequado de realizar o interesse público.
A liberdade de imprensa não impõe que, tendo sido decretado o segredo de justiça pelo interesse da investigação, os dados do processo sejam expostos em público. A liberdade de imprensa é essencial em democracia, mas não é um valor cego, absoluto e incomensurável. Tem de ser conciliada com outros valores.
A violação das normas e das decisões tomadas pelos tribunais é algo que os próprios tribunais – e só eles – devem julgar. Ao fazê-lo, não podem recear intervir contra a corrente ou contra quaisquer grupos de pressão. Se assim suceder, estará em risco a separação de poderes e o Estado de Direito Democrático."

2. "A força do estado de direito democrático está na adesão da sociedade aos seus princípios e valores fundamentais, que são a dignidade humana, a liberdade, o pluralismo e o primado do direito. Quando uma parte da sociedade não respeita esses princípios e actua em desconformidade com eles, então são os próprios alicerces do estado que são postos em causa. (...)
A forma é inimiga jurada do arbítrio e qualquer cedência nessa matéria será um passo em direcção à arbitrariedade.
Por isso, no dia em que se aceitar como lícito que jornalistas possam disfarçar-se de sujeitos processuais para retirar dos processos judiciais transcrições de escutas telefónicas para as publicar nos seus órgãos de informação, então é de temer que no futuro se ordenem escutas para serem divulgadas em órgãos de comunicação social.
Igualmente, no dia em que se aceitar que escutas telefónicas feitas em processo penal (e aí consideradas irrelevantes) possam ser aproveitadas para a luta política, então não demorará muito a haver escutas telefónicas para fins políticos.
No limite, poder-se-ia dizer que no momento em que se aceitar que um terrorista possa ser torturado para revelar onde colocou a bomba é certo que daí para a frente muitas outras pessoas - terroristas ou não - irão ser torturadas para revelarem o que não sabem.
Quando não se olha a meios para atingir certos fins, por muito lícitos e relevantes que eles sejam, então entra-se no domínio do fundamentalismo. Na história da humanidade, alguns das piores atrocidades foram feitas em nome dos fins mais altruístas e, pior do que isso, muitas vezes foram levadas a cabo por pessoas imbuídas da maior generosidade.
O estado de direito é assim. Imperfeito e frágil. Ou o respeitamos sempre, apesar das suas imperfeições e fragilidades ou acabamos por torna-lo ainda mais imperfeito e frágil."