sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Providências cautelares

Deve ser pontaria, quando tenho menos tempo para blogar surge algum tema que merece análise profunda e desenvolvida. Agora é com as providências cautelares...
Já ontem se discutiu, na Sic, este mecanismo legal, onde o Juíz Rui Rangel e Miguel Sousa Tavares se pronunciaram sobre a já polémica providência cautelar ao jornal Sol. Mas tenho lido já alguns textos e ouvido algumas notícias que confundem ainda mais as pessoas que não percebem de Direito e se baseiam em pressupostos errados ou não confirmados. Vejamos.

a) As providências cautelares dividem-se em duas espécies: especificadas e não especificadas (comuns). Nas primeiras, tipificadas na Lei, temos, por exemplo, o Arresto ou o Embargo de Obra Nova. Nas outras, temos todas as outras que, não estando especificadas, sirvam para proteger um direito ou prevenir um dano irreparável.

b) Os artigos 381º e seguintes do Código de Processo Civil regulam os procedimentos cautelares comuns:

"ARTIGO 381.º
(Âmbito das providências cautelares não especificadas)

1. Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado.
2. O interesse do requerente pode fundar-se num direito já existente ou em direito emergente de decisão a proferir em acção constitutiva, já proposta ou a propor.
(...)

ARTIGO 382.º
(Urgência do procedimento cautelar)

1. Os procedimentos cautelares revestem sempre carácter urgente, precedendo os respectivos actos qualquer outro serviço judicial não urgente.
(...)

ARTIGO 383.º
(Relação entre o procedimento cautelar e a acção principal)

1. O procedimento cautelar é sempre dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de acção declarativa ou executiva.
(...)

ARTIGO 384.º
(Processamento)

1. Com a petição, oferecerá o requerente prova sumária do direito ameaçado e justificará o receio da lesão.
2. É sempre admissível a fixação, nos termos da lei civil, da sanção pecuniária compulsória que se mostre adequada a assegurar a efectividade da providência decretada.
(...)

ARTIGO 385.º
(Contraditório do requerido)

1. O tribunal ouvirá o requerido, excepto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência.
(...)"

c) Da leitura das normas acima transcritas, concluímos o seguinte:
- O procedimento tem carácter urgente, com o objectivo de garantir o seu efeito em tempo útil;
- Visando impedir a consumação de uma lesão ou um dano, irreperável, terá necessariamente de produzir efeitos e ter que ser analisada em tempo útil, antes, portanto, da consumação do acto danoso;
- A decisão deve ser tomada depois de ponderadas as consequências da providência e o juíz avalia sempre os contras e os eventuais prejuízos do seu decretamento;
- Pode ser decretada sem ouvir primeiro o visado, quando a sua audição (que implicará tomar conhecimento da providência) possa colocar em causa a eficácia da providência e, consequentemente, precipitar a consumação do dano ou da lesão;
- O requerente terá, sempre, que provar, na chamada "acção principal", a existência do direito que alega ter e o prejuízo, dano ou lesão que diz sofrer com a publicação das conversas escutadas. Se o tribunal não lhe der razão, estas poderão ser publicadas.

d) A providência cautelar terá sido requerida por um administrador da PT, supostamente "apanhado" em escutas telefónicas no processo Face Oculta e, segundo o que tem sido veiculado pelos media, a providência visa impedir o jornal de publicar mais escutas em que esteja "envolvido".
Em primeiro lugar, urge esclarecer dois aspectos: 1) Partindo do pressuposto que esta informação é verdadeira, então a providência visa apenas impedir a publicação de determinadas escutas (as que envolvam o requerente) e não outras. Significa isto, pois, que outras escutas poderão ser publicadas, desde que não sejam aquelas. Nem, pela mesma razão, impede que o jornal Sol seja colocado à venda, como, aliás, acabou por ser. Deste modo não se compreende uma certa vitimização que se propagou em alguns jornalistas e/ou bloggers que já falavam em proibir o jornal de ir para as bancas e de condená-lo à asfixia financeira. Certamente, o jornal não tem só aquela notícia nem apenas aquelas escutas; 2) Já hoje se tem falado em incumprimento, por parte do Jornal Sol, da providência, ao publicar a informação. Ora, ainda não li a reportagem completa do semanário, mas parece que há dúvidas sobre a informação constante. Ou seja, poderá haver incumprimento apenas no caso de o jornal ter publicado novas escutas que envolvam o requerente da providência. Se apenas volta às mesmas escutas já publicadas a semana passada, então não há incumprimento.

e) Já muitas pessoas, alguma com cargos relevantes (por exemplo, deputados e jornalistas), levantaram dúvidas sobre a decisão judicial. Para além de questionarem a justeza da decisão, que decretou a providência, levantaram suspeições sobre o (a) magistrado (a) da 11ª Vara Cível de Lisboa. Vicente Jorge Silva, entre outros, suspeita da celeridade com que foi decretada a providência. Ora, acontece que VJS, por quem tenho enorme consideração, desconhece o regime deste instrumento legal e o seu carácter urgente. Tendo sido, na semana passada, publicadas escutas e tendo sido dada entrada de uma providência cautelar para impedir nova publicaão hoje (ontem, já que o jornal foi para as gráficas ontem), o tribunal teria que decidir em tempo útil, ou seja, até ao dia de ontem, sob pena de inutilidade superveniente (pelo menos parcial, pois poderia sempre impedir ainda mais publicações para a próxima semana, pois já se percebeu que o Sol vai publicar a informação às pinguinhas, como a TVI fez com o dvd no caso Freeport).
É, pois, preciso ponderação nas palavras e prudência e serenidade nos comentários. Levantar falsas (ou infundadas) suspeitas sobre o poder judicial é minar a confiança dos portugueses da Justiça e colocar em causa a Ordem e o Estado de Direito. É abrir uma caixa de pandora, cujas consequências serão sempre nefastas e altamente perigosas.

f) Por último, um comentário sobre a dúvida se o jornal foi ou não notificado. Segundo se sabe, o solicitador foi retido na recepção das instalações do semanário, não tendo entregue a notificação a ninguém, nem aos directores, nao ao Sol (enquanto pessoa colectiva). Na nota editorial, o jornal diz que tomou conhecimento de que iria ser notificado pela comunicação social, mas recusou-se a receber a notificação. Ou seja, fugiu à Justiça, quando sabia que ia ser notificado. Fiquei na dúvida (nenhum órgão de comunicação social soube explicar, pelo menos que eu saiba) se terá havido ou não citação edital (a citação é afixada nas instalações, por exemplo na porta).
Sobre esta aspecto, faço minhas as palavras de Eduardo Maia Costa, Juiz Conselheiro do STJ: "a reacção do "Sol" foi bem mesquinha, bem à portuguesa: fugir à notificação é como procedem geralmente os que têm medo de assumir as consequências dos seus actos. Incapaz de assumir uma atitude frontal de desobediência civil, em nome da ética jornalística e do superior interesse público, o procedimento do "Sol" é mesquinho, é rasca."

Termino com uma nota: não irei, porque acho que não devemos fazê-lo fora da sede própria (tribunais), analisar a providência, se é justa ou não, se tem fundamentos ou não. Apenas direi que, provavelmente - e sem querer emitir qualquer juízo de valor -, terá sido aceite com base nos seguintes argumentos: i) possível manipulação das escutas e falsidade da informação publicada; ii) a informação foi obtida com violação do segredo de justiça (por meio ilegal, portanto); iii) a publicação de mais escutas provocará mais danos na imagem e na honra do requerente (criando um libelo que nunca desaparecerá). Provavelmente, terá sido ainda decretada sem audição prévia do jornal por receio de, sabendo este da providência, publicar a informação online e consumar o dano.
Não quero, com isto, dizer que concordo ou discordo da decisão, mas apenas que poderão ter sido estes os argumentos utilizados (como aliás, já foi especulado por alguns media) e os fundamentos do tribunal.

2 comentários:

Anónimo disse...

Nos vivemos numa ditadura.No tempo de salazar censuravam o comunismo,muito boa medida visto que todos já vimos que o comunismo é o maiar fascismo que pode haver e nesses países não se censura,matam logo quem escreve ou fala alguma coisa que não deve e fome é mesmo fome-morrem mesmo-,agora só de falarem alguma coisa obscura que se passou compra-se a televisão inteira,e se o caso for mesmo muito grave pôe-se providencias cautelares.
Este tipo não vale mesmo nada.
Quando é que devolvem o nome da ponte sobre o tejo para o verdadeiro nome:"Ponte Salazar"?
Roubam tudo até o nome das pontes!!!

Ricardo Sardo disse...

Caro anónimo: vivemos numa ditadura? Está a teclar de Portugal ou da Coreia? Acha mesmo que vivemos em ditadura? Acha mesmo ou não se lembra do que foi o Estado Novo e da censura e da PIDE? Está esquecido ou não tinha ainda nascido na altura? É que se não sabe, pergunte a quem viveu naquele tempo.
Cumprimentos.