sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

As escutas do Apito Dourado

Muito se tem falado da publicação das escutas do processo Apito Dourado. Mas pouco se tem argumentado, pelo menos do ponto de vista jurídico.
O nº 4 do artigo 88º do Código de Processo Penal diz que "Não é permitida, sob pena de desobediência simples, a publicação, por qualquer meio, de conversações ou comunicações interceptadas no âmbito de um processo, salvo se não estiverem sujeitas a segredo de justiça e os intervenientes expressamente consentirem na publicação."
A norma estabelece dois requisitos para os media poderem publicar as escutas: a) o processo não se encontrar em segredo de justiça; b) os intervenientes nas conversações escutadas autorizarem a sua publicação.
Ora, o processo Apito Dourado não se encontra mais sob segredo de justiça, mas, pelo menos que se saiba, não houve autorização para a sua publicação da parte dos escutados.
Assim, a publicação das conversas cai na previsão do art.º 88º, nº 4 do CPP, incorrendo o jornal que as publicou num crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348.º, nº 1 a), do Código Penal (por força do art.º 88º, nº 4, do CPP).

Até aqui não existem dúvidas. O problema é que esta norma do CPP pode embater no direito de liberdade de imprensa, protegido pela Constituição (arts.º 37º e 38º). Neste sentido - de que o impedimento de publicação atenta este direito - tem decidido o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, como aqui é, aliás, referido.
Ou seja, a questão que se coloca é a da eventual inconstitucionalidade da norma penal. Confesso que não é fácil ter posição sobre esta matéria, pois estamos perante um conflito de direitos. Por um lado, temos o direito (constitucional) à reserva da intimidade e à privacidade - protegido também pela norma penal em questão - e, por outro, temos o direito (também constitucional) do direito à liberdade de imprensa e de informação. Repito: confesso que não é fácil concluir qual destes dois direitos deve prevalecer.

De qualquer das formas e fugindo já ao aspecto jurídico do tema, o teor das escutas não poderia ser mais esclarecedor: o polvo existiu (será que ainda existe) e controlou, em absoluto, o futebol português. Depois disto, ninguém poderá ficar indiferente e negar a existência de batota, por muito que os adeptos fiquem contentes pelas vitórias obtidas à sua conta.

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