sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Leituras

1. "O caso Dreyfus, como muitos outros antes e depois dele, mostra o ladro negro do poder do sistema judicial. Quando um sistema criado para certificar a procura e o triunfo da verdade despreza a verdade e funciona como se estivesse acima das leis por cujo cumprimento lhe cumpre zelar, instrumentalizando o extraordinário poder que lhe é conferido, não há Estado de Direito. Sem Estado de Direito, não há grande chance para a democracia, até porque não há para aí Zolas aos pontapés. O que há aos pontapés é gente que, quiçá imaginando-se da estirpe do autor de J'accuse, se compraz em funcionar como guarda avançada dessa instrumentalização da verdade. "O meu dever é falar, não quero ser cúmplice", escreveu Zola."

(Fernanda Câncio, no Diário de Notícias)


2. "Com o "escândalo" Casa Pia lançaram-se durante meses suspeitas e insinuações sobre inúmeras figuras com notoriedade, da política e do espectáculo, um juiz foi ao Parlamento prender um deputado e ex-ministro com as câmaras de televisão a transmitirem a cena em directo, demitiu-se o líder do maior partido da oposição, fez-se um circo mediático em torno do maior humorista português, fizeram-se milhares de escutas telefónicas que envolveram o próprio Presidente da República, as escutas apareceram transcritas na Imprensa, enfim, um chorrilho de devaneios que enlamearam meio mundo. Responsáveis por este desvario? Ninguém!
Esgotado o tema, o desaparecimento da pequena Maddie suportou o crescimento das audiências das televisões e dos jornais; diariamente foram surgindo revelações bombásticas, provas científicas, indícios seguros e, depois do tiro ao alvo em suspeitos de ocasião, a investigação policial encontrou os culpados: os Pais da menina desaparecida. O herói desta sublime investigação foi o Inspector da PJ cuja notoriedade subiu aos píncaros da glória, com direito a entrevistas de jornalistas de referência. Terminada a cena, o M.P. verificou que os pseudo indícios e as pseudo provas científicas não tinham qualquer valor; o processo foi arquivado! Responsáveis por este tremendo fiasco, demolidor para o sistema de justiça? O único sacrificado foi o director da PJ que num desassombrado gesto de honestidade reconheceu que foi prematura a constituição como arguidos dos pais de Maddie. O Inspector responsável pelo fiasco foi proposto por uma concelhia do PSD para liderar uma Câmara do País! Não é extraordinário?
Agora, com o mesmo afã justiceiro e com evidentes interesses não revelados, alguns media, com a cumplicidade de alguns elementos do sistema de justiça, apontam as suas baterias a um alvo mais alto, tentando abater o Primeiro-Ministro e com isso criarem uma crise política sem precedentes. É a "cereja no bolo" da irresponsabilidade em que navegam dois poderes não escrutinados e sem legitimidade democrática. Não pensem as oposições que isto é com o actual Governo. Será com quem se atreva a governar contra os privilégios e os interesses instalados, ora corporativos, ora de grupos que controlam os media. Convém não esquecer que já vimos este filme com o fundador do PSD e com outras figuras desse e de outros partidos que, embora inocentes, foram sacrificados no mesmo palco. Não cito os seus nomes para não reavivar o sofrimento por que passaram. Afinal, onde está o poder mais forte? No voto, ou nos poderes feudais que estão acima e à margem dos votos dos portugueses?"

(Daniel Proença de Carvalho, no Diário Económico)

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