domingo, 5 de outubro de 2008

Leituras (1)

"Pertencendo a uma antiga sociedade de advogados, nunca fui advogado de negócios; sou, fui sempre, ao longo de mais de 35 anos, advogado de barra. Por isso, conheço, da experiência quotidiana, o perfil e actuação prepotente de alguns magistrados; e tenho observado, com crescente apreensão, a continuada deterioração das relações juízes/advogados.
Dito isto, e volvidos cerca de nove meses sobre a tomada de posse, é tempo de dizer ao bastonário da Ordem dos Advogados que não pode, nem deve, continuar esta fronda contra os juízes, que tem constituído, de par com as vozes sobre corrupção, o traço mais característico do seu mandato. Fronda que, pela generalização que faz, é injusta e que, no plano prático, o que tem trazido consigo é um acrescido mal-estar ao quotidiano dos advogados que trabalham nos tribunais. Resultado tanto mais gravoso e tão mais prejudicial para a classe quanto se esperaria do bastonário da Ordem dos Advogados que, em vez de coléricas proclamações e insultos, que já se tornaram motivo de troça e de desprestígio, inventariasse e propusesse meios de combate ao perfil e actuação de alguns magistrados e de regeneração das relações juízes/advogados. O último episódio teve lugar em artigo a propósito da intervenção do Presidente da República nos 135 anos do Supremo Tribunal de Justiça (Expresso, 27/09/08).

Não cabe nos limites deste texto o inventário e refutação dos ataques aos juízes ali patenteados. A benefício de um debate que urge fazer, para que a intervenção do bastonário nesta área represente a posição da maioria dos advogados portugueses, impõe-se ter por certo que é inaceitável pretender, como o dr. Marinho Pinto, que os juízes, com experiência quotidiana da aplicação concreta da lei, não têm de ser interlocutores privilegiados do Governo ou da AR nas reformas da justiça, porque, pasme-se, "(...) a função política de legislar (não) deve ter em conta os interesse profissionais de quem tem a função de aplicar as leis (...)"!!!

É que se algum reparo há a fazer à intervenção do PR sobre a matéria é o de não ter referido também os advogados, os solicitadores, os magistrados do MP e os funcionários judiciais como incontornáveis interlocutores do Governo e da Assembleia da República quando legislam sobre a justiça. No debate que proponho, cabe, naturalmente, a busca de vias concretas para a regeneração das relações entre todos os agentes da justiça, sobretudo entre juízes e advogados; e deve, num segundo momento, ser, naturalmente, estendido a todos os agentes da justiça. Nele deverá incluir-se, para que tudo venha à luz do dia, o tema do sindicalismo dos juízes, sem as demagogias da praxe, e num enquadramento que tenha em conta a distinção entre o "magistrado titular de órgão de soberania" e o "magistrado funcionário", para que o debate não seja inquinado por falaciosas aparências, em que tem abundado o dr. Marinho Pinto, do tipo "os titulares de órgãos de soberania não fazem greve".Então deixaremos de estar "só a falar" e passaremos a tratar das "coisas", que é, afinal, o que continua a faltar-nos."


(Dr. Magalhães e Silva, no Diário de Notícias de ontem)

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