sábado, 19 de abril de 2008

"A ASAE e os advogados"

Circular enviada pelo Bastonário da Ordem dos Advogados:


"Caros colegas,

A propósito de informações recentemente postas a circular nos órgãos de comunicação social sobre a possibilidade de a ASAE iniciar «visitas» a escritórios de Advogados para, alegadamente, verificar o cumprimento do DL nº 156/2005, de 15 de Setembro, quanto à existência de livros de reclamações e de tabelas de preços, entre outras coisas, esclareço o seguinte:

A posição da Ordem dos Advogados sobre o assunto está claramente definida no parecer aprovado pelo Conselho Geral a que presido (Parecer nº 9/PP/08-G).

A lei que aparentemente permitiria essa fiscalização não se aplica aos escritórios de Advogados, já que estes não estão abertos ao público em geral (não entra lá quem quiser) nem sequer têm horário de funcionamento. Além disso, há Advogados cujo escritório é a sua própria residência.

É de meridiana evidência que os escritórios dos Advogados não podem ser equiparados a estabelecimentos comerciais, apesar de, infelizmente, já haver alguns advogados em Lisboa que pretendem exercer a profissão em estabelecimentos desse tipo, como se fosse uma actividade comercial tout court.

É preciso que os responsáveis do Ministério da Economia (ou quem em nome deles manda essas notícias para os órgãos de informação) percebam que a Advocacia (quer seja exercida em prática individual, quer o seja sob a forma societária) se rege por regras bem diferentes das que regulam a venda de enchidos, de bolas de Berlim, de ginjinhas, ou de CD’s pirata.

As obrigações e deveres dos Advogados, mormente a definição, conteúdo e âmbito respectivos, estão estatuídos no seu estatuto profissional, ou seja, no Estatuto da Ordem dos Advogados e, por isso, a única entidade (além dos tribunais em certos casos) com competência para apreciar os aspectos relacionados com o seu exercício é a Ordem dos Advogados (no âmbito da sua função reguladora) e não uma qualquer polícia.

É através dos Advogados que se realiza uma função essencial à administração da justiça, ou seja, o patrocínio forense. Por isso a Advocacia goza de prerrogativas e imunidades consagradas na lei, como está, aliás, definido no artigo 208º da Constituição da República Portuguesa.

Por isso, a posição da OA é tão clara: Os escritórios de advogados não estão abrangidos pelas disposições legais invocadas para justificar qualquer pretensa intervenção da ASAE.

Assim, enquanto Bastonário aconselho todos os Colegas a não permitir qualquer diligência policial nos seus escritórios ou sociedades, desde que a mesma não seja presidida por um Juiz de Direito e na presença de um representante da Ordem dos Advogados, como seria de lei.

Quem pretender actuar de outra forma será prontamente responsabilizado em sede própria.

A Ordem dos Advogados prestará todo o apoio (jurídico e/ou outro) aos Colegas eventualmente visados, uma vez que, qualquer acção policial, mesmo que isolada, além de ilegal, não deixará de constituir um desrespeito para com a dignidade, prestígio e função social da Advocacia em geral bem como um ataque aos direitos, prerrogativas e imunidades dos Advogados no seu conjunto.

Com as cordiais saudações do
Colega ao dispor

A. Marinho e Pinto
Bastonário

Lisboa, 17 de Abril de 2008"

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Ainda sobre o livro de reclamações...

... há a acrescentar (apesar de estar indirectamente referido no Parecer do Conselho Geral da Ordem dos Advogados) que um escritório de advogados não é um estabelecimento aberto ao público, como que um estabelecimeto comercial. Aliás, há alguns advogados que, em início de carreira ou por outras razões, fazem do domicílio particular o seu escritório. Ou seja, recebem os clientes na própria casa...
Mais, precisamente por o escritório de advogados não ser um estabelecimento aberto ao público é que a Ordem instaurou procedimento disciplinar contra a chamada "Loja Jurídica", por entender que este "escritório" não está conforme o Estatuto profissional.

Desta forma, é de lamentar a pequena notícia que a revista Visão de ontem faz ao assunto ("A ordem dos Advogados rejeita o livro de reclamações nos escritórios de causídicos, apesar de a lei obrigar (...)", pág. 39).
Como aqui já explicado, a lei não obriga. Ao escrever que obriga, o (a) jornalista está a fazer uma interpretação da lei. Mesmo que seja formado (a) em Direito (que duvido que seja), ao fazer uma interpretação da legislação aplicável, está a tomar posição e, assim, a desrespeitar os princípios deontológicos de rigor e isenção.

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Uma questão de interpretação

Leio que a ASAE vai visitar escritórios de advogados para verificarem da existência nestes espaços de tabelas de preços e de livro de reclamações.
Segundo o Jornal de Negócios, "uma fonte oficial do Ministério da Economia afirmou (...) que o legislador não criou qualquer excepção legal para os advogados, pelo que estes têm de cumprir o que está estabelecido."
Ora, a ser verdade, estamos perante uma interpretação errada e incorrecta da Lei, pois para além de um escritório de advogado não ser um estabelecimento de prestação de serviços nos termos da Lei, o poder disciplinar e de controlo da actividade de advocacia não compete à ASAE, mas sim à Ordem dos Advogados e dos seus órgãos.
A este propósito, aqui deixo as conclusões do Parecer 9/PP/2008-G, do Conselho Geral da Ordem dos Advogados:

"1. O DL 156/2005, com as alterações introduzidas pelo DL 371/2007, determina a obrigatoriedade de existência e disponibilização do livro de reclamações em todos os estabelecimentos de prestação de serviços ou de fornecimento de bens, que observem cumulativamente as seguintes características:
i. Se trate de um estabelecimento físico;
ii. Com carácter fixo ou permanente;
iii. Onde se exerça exclusiva ou principalmente uma actividade;
iv. Que essa actividade seja exercida de modo habitual e profissional;
v. Tenham contacto directo com o público.

2. Cabe ao advogado escolher livremente os seus clientes, bem como decidir quem admitir no seu escritório, o que encontra o seu fundamento na relação de confiança recíproca que tem obrigatoriamente de existir entre o advogado e o seu cliente, nas regras próprias que regem a aceitação do patrocínio e na natureza de profissão liberal e independente da advocacia. O advogado não está obrigado a disponibilizar os seus serviços ao público em geral.

3. O escritório de advogado não é um estabelecimento de contacto directo com o público, encontrando-se, assim, excluído do conceito de estabelecimento visado pelo DL 156/2005, nos termos definidos no seu artigo 2.º e, consequentemente excluído do âmbito de aplicação deste diploma.

4. Ainda que o DL 156/2005 não excluísse do seu âmbito de aplicação o escritório de advogado, haveria que considerar inaplicáveis os procedimentos ali previstos à prestação de serviços de advocacia atenta a incompatibilidade dos mesmos com os princípios e regras especiais de exercício da profissão, plasmadas no EOA, designadamente em matéria de segredo profissional, exercício da jurisdição disciplinar, garantias de defesa no processo disciplinar e de independência e autonomia de regulação da Ordem dos Advogados.

5. A Portaria n.º 240/2000, de 3 de Maio, procede à adaptação do regime geral da obrigatoriedade de indicação dos preços dos serviços ao consumidor, previsto no DL 138/90 (alterado e republicado pelo DL 162/99), às regras específicas de fixação de honorários quanto aos serviços típicos da actividade dos advogados, reconhecendo a impossibilidade de afixação de tabelas de preços destes serviços.

6. Nos termos da citada Portaria – interpretada de forma actualista face à revogação do DL 84/84, de 16 de Março, pela Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro, que aprovou o actual EOA – é “suficiente que o advogado dê indicação aos clientes ou potenciais clientes dos honorários previsíveis que se propõe cobrar-lhes em face dos serviços solicitados, identificando expressamente, além do valor máximo e mínimo da sua hora de trabalho, as regras previstas (…) no Estatuto da Ordem dos Advogados” que regem a fixação de honorários, nomeadamente a obrigação de atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da prestação, ao resultado obtido, ao tempo dispendido, às responsabilidades por si assumidas e aos demais usos profissionais.

7. Pode o Conselho Geral recomendar que a obrigação de identificar expressamente as regras previstas no Estatuto da Ordem dos Advogados que regem a fixação de honorários se cumpra através da afixação, de forma visível, no lugar onde os serviços são propostos ou prestados, desses mesmos critérios constantes da disposição estatutária pertinente."

terça-feira, 8 de abril de 2008

Lei da rolha

"Ouvindo a TSF abordar num fórum a questão da chamada lei da rolha, imposta aos juízes pelo Conselho Superior de Magistratura, a propósito do dever de reserva, era natural que entrassem opiniões divergentes, mas não houve uma a defender a decisão do CSM.
Para aqueles senhores, o silêncio e calar as vozes incómodas que vão dando mostras que a Justiça anda manietada com tanta teia de aranha e conservadorismo míope dos seus interpretes, parece ser mais importante do que a liberdade. Restringir o direito de expressão e proibir os juízes de ter opinião livre é qualquer coisa que vem do fundo das catacumbas dos maus tempos. E como diz o Bastonário Marinho e Pinto, proibir os juízes de emitir uma opinião com receio de que esteja em questão a credibilidade e a independência dos juízes, é dizer que estes não estão preparados para essa nobre função e assim sendo, a gravidade da questão é mesmo de outro nível.
Por isso, subscrevo o que entre o Bastonário dos Advogados e o Juíz Eurico Reis foi dito: “Não é o unanimismo que faz uma boa Justiça”. “A Justiça tem como destinatário final e único beneficiário dela o povo. É o povo que deve estar satisfeito com a Justiça que é praticada em Portugal. O povo tem o direito de saber o que está mal e têm o direito a perder o medo de entrar num tribunal por não acreditar na forma como ela é exercida no país.”
Se a Justiça fosse a votos, seria uma nova Revolução."

(por Graza, in Arroios)


Infelizmente esta é a imagem que a Justiça tem no "exterior". Para a população em geral, Juízes, Procuradores, Advogados e funcionários judiciais têm todos uma má imagem, fama de insensíveis e acomodados a (pseudo) regalias como as férias judiciais. E quem tem poder para alterar este estado de coisas em nada contribui para o esclarecimento geral e para a melhoria da imagem da Justiça.
Há que combater este negativismo da opinião pública com medidas que aproximem os operadores judiciais da população. A intervenção de um Magistrado num debate televisivo vale mais e faz mais pela Justiça do que uma limitação à liberdade de expressão. Um país que não entenda a Justiça que tem, não é uma democracia plena.

terça-feira, 1 de abril de 2008

E o processo disciplinar?

"Uma das razões por que a justiça tem vindo a descredibilizar-se perante o povo português deve-se à actuação de alguns Magistrados que utilizam de forma abusiva os seus poderes funcionais. Normalmente, os excessos são cometidos por pessoas psicologicamente inseguras e/ou tecnicamente mal preparadas como forma de ocultar esses défices. Mas também há casos em que os abusos são praticados unicamente por vaidade e/ou para humilhar pessoas de que não se gosta. (...)"

(António Marinho Pinto, in editorial do Boletim da Ordem dos Advogados nº 49)

O Bastonário dá ainda um exemplo do que considera um abuso da Magistratura. Um caso concreto, num Tribunal concreto, num processo concreto.
E eu deixo aqui outro...
No meu início de estágio, numa das escalas realizadas junto do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, fui chamado para um primeiro interrogatório judicial de arguido detido. Após terem sido colocadas algumas perguntas pelo Senhor Doutor Juiz de Instrução e recusados os pedidos de esclarecimento da minha parte, foi dada a palavra ao Digníssimo Magistrado do Ministério Público, para se pronunciar sobre a medida de coação a aplicar.
Ao demonstrar dúvidas sobre a medida a pedir e incerteza entre prisão preventiva e prisão domiciliária, o Senhor Doutor Juiz de Instrução sai-se com a frase bombástica: "um tipo destes não pode ficar em liberdade!"
O Magistrado do MP lá promoveu a prisão preventiva.
Dada a palavra ao defensor (eu), o Senhor Doutor Juiz de Instrução abandonou a sala, indo ao seu gabinete (sala contígua). Pediu à Senhora funcionária para o chamar quando eu terminasse as alegações (que iria ditar para a acta). Quando terminei, lá voltou e deu uma olhada rápida (poucos segundos) no computador. Claro que aplicou a prisão preventiva.
Já nem vou para a presunção de inocência (na fase de inquérito e no primeiro interrogatório judicial praticamente não existe contraditório nem defesa) que foi pura e simplesmente atirada para a sarjeta. O que mais me chocou foi a completa falta de sensibilidade para a função exercida. Colocar uma pessoa na prisão (mesmo que preventivamente) deve ser uma decisão que resulta de um processo de ponderação e de avaliação e não pode depender do preconceito de que todos os suspeitos são culpados.
Mas ainda hoje continuo com uma dúvida: se na altura tivesse denunciado o caso ao Conselho Superior de Magistratura, será que este órgão, que tem competência para exercer o poder disciplinar, teria sancionado este comportamente totalmente inaceitável num estado de direito democrático?

Na sexta-feira passada estive numa audiência de partes num Tribunal do Trabalho perto de Lisboa. Frustrada a primeira tentativa de citação da Ré, a Senhora Doutora Juiz promoveu a citação por solicitador.
Até à hora da diligência, a Solicitadora não tinha dito nada ao processo: se tinha citado, se não tinha citado, se sim, se sopas...
Claro que se eu, ou o meu cliente, tivessemos faltado, teríamos sanções. Mas... e a Solicitadora?
Depois do sucedido, comentei o facto com colegas daquela Comarca, que contaram-me que, afinal, não é a primeira vez que tal acontece com aquela Solicitadora.
Pergunto: e o processo disciplinar?

A semana passada foi publicada uma notícia que dava conta da condenação de um Procurador do Ministério Público pelo crime de coacção de órgão constitucional. Apesar de a sentença ainda não ter transitado em julgado (mantendo-se, portanto, a presunção de inocência), o facto ilícito foi praticado no exercício das suas funções como Magistrado do MP.
Volto a perguntar: e o processo disciplinar?

Se a estes casos somarmos este (dúvidas sobre a actuação do DIAP do Porto no "caso Bexiga"), este (inércia do Magistrado do MP no caso da menina atropelada em Lisboa) e mais alguns contados aqui, teremos necessariamente que concluir que os processos disciplinares em alguns órgãos com competência para o efeito não passa do papel.
Enquanto que os advogados são realmente avaliados e alvo de processos discplinares pela Ordem dos Advogados (basta ver a quantidade de sanções aplicadas e publicadas em editais nos tribunais), fica a sensação de que Magistratos Judiciais e Magistrados do Ministério Público não são, na prática, alvo de processos disciplinares ou, quando o são, já se sabe à partida que os processos irão ser arquivados. Sensação, esta, que se aplica também noutras classes profissionais, como a Ordem dos Médicos.

Este sentimento de impunidade corrói a confiança dos portugueses nas instituições e na Justiça. E quando isto acontece é a própria democracia que é posta em causa.